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quinta-feira, 12 de agosto de 2010

O garoto estranho

Me lembro como se fosse hoje daquela festa de aniversário. Éramos todos muito pequenos, cerca de 5 ou 6 anos. Brincávamos juntos, eu e todas as outras crianças da festa. De repente um garoto se aproximou. Ele usava uma calça social marrom e uma camisa de manga longa. Era impossível não reparar nele. Tinha os olhos muito afastados um do outro, pálpebras superiores repuxadas por dentro, o nariz sem o talo de sustentação... apenas a cartilagem. Nas mãos os dedos juntos por uma pele estranha. Um andar torto e uma voz que parecia um grunido.
Esse foi o meu primeiro contato com uma criança especial. Ele possuia uma anomalia incomum, provavelmente originária do fato de seus pais serem primos... é o que diziam na época.
Neste dia, em que vi o 'garoto estranho' pela primeira vez, tive também o primeiro comportamento preconceituoso de minha vida. Eu e as outras crianças da festa! Enquanto ele, o 'garoto estranho' se aproximava para brincar conosco, um dos meninos teve uma ideia. Uma péssima ideia! Chamou-o de monstro. E nós, todas as outras crianças fizemos coro a isso. Juntos, chamávamos veementemente aquela criança de monstro e ríamos!
Sempre remoí essa história dentro de mim. E a minha memória fotográfica não me permitia esquecer os detalhes da cena. Sempre que me lembrava deste fato sentia um misto de culpa, remorso e arrependimento. Como eu queria poder voltar atrás e não ter participado daquela humilhação. Como eu queria ter evitado que na minha festa de aniversário aquele 'menino estranho' fosse excluído e chamado de monstro.
Essa semana, uma surpresa. Chega um convite de formatura na casa de meus pais. Era ele, aquele 'menino estranho' que estava se formando. Eu nem sabia que ele era meu primo também! E de repente todo aquele misto de sentimento me veio a tona... culpa, remorso e arrependimento.
Ele estava se formando em Engenharia mecânica. Seu texto de agradecimento citava Confúncio em uma beleza inigualável. Ele tambem foi o autor do texto de agradecimento aos mestres. Na foto, o mesmo rosto de criança um pouco mais envelhecido. Eu jamais esqueceria! Mas, independente daquele 'rosto estranho', pude ver alí a beleza de uma alma que superou inúmeros obstáculos que a vida lhe impôs desde muito cedo.
Fico pensando, quantas e quantas crianças que, como eu, o chamaram de monstro? Quantas vezes aquele 'garoto estranho' precisou recorrer ao travesseiro para derramar suas lágrimas de solidão e exclusão?
Penso se, assim como eu, ele ainda se lembra daquele dia... se ainda lembra de como o chamamos de monstro, gritando e sorrindo daquilo que significava a sua maior dor!
Hoje será a colação de grau daquele menino que eu humilhei. Hoje, exatamente 3 dias depois da minha formatura como Psicóloga! Agora aquele garoto estranho me mostrou a força da superação... me provou que é possível ir além das deficiências, das diferenças, dos preconceitos e das rejeições... que é possível superar os apelidos e a solidão!
Não irei à formatura. Estou fora da cidade. Mas sinto que a solenidade deste 'garoto estranho' será para mim um presente de formatura... da minha formatura. E eu, agora realmente psicóloga, pude encontrar a tempo a cura para o misto de meus sentimentos... porque compreendi que o ser humano vai muito além do que aquilo que podemos ver com os nossos olhos!
.
PS: Essa história é real!

12 comentários:

Juliana Matos. disse...

É realmente o preconceito não vale a pena, somos todos iguais e também perante a Deus!
Um beijo Tahiana!

Viviana Ruiz disse...

Oieee
amei teu texto, posso te seguir, flor?
ahhhh que ruim a exclusão.

Unknown disse...

Nossa que historia!!! E que speração desse garoto...

Tenho sentido sua falta no Mistura Cotidiana, mudei o URL do blog devido a problemas citados nos seus posts anteriores, agora entendi o porque estava tão ausente, era sua formatura.... Parabéns por mais essa conquista!!!!

Então, ainda estou te esperando para seguir o novo Mistura Cotidiana,para receber as atualizações dos meus pots... lembrando, se não for pedir muito, preciso que troque o código do meu banner que esta no seu blog, pois como mudei o URL o do banner também mudou, é só copiar da caixinha linke-me no meu blog, e colar novamente... muito obrigada..

Beijos!!!!

Anônimo disse...

E que tal entrar em contato com ele e externar para quem sofreu a humilhação, todo o seu arrependimento? Fazer mea culpa aqui é muito pouco. Palavras valem muito menos que uma ação.

Isilda disse...

Então quer dizer que ele é fruto de uma relação de incesto entre primos!
Eu acho esses tipos de relacionamento bizarro e condeno quem apoia porque no fim quem acaba por sofrer tudo na pele são os filhos.
Deve ser constrangedor dizer que ele é assim porque os pais são primos!

Vera (Deficiente Ciente) disse...

Olá Tahiana!

Acredito que a partir do momento em que os pais privam seus filhos de conviverem com crianças que possuem características diferentes, o resultado é este que você escreveu.
O preconceito origina-se da falta de informação e conhecimentos do que é considerado diferente.
Que bom seria se todo ser humano tivesse a oportunidade de conviver com as diferenças.
Você sempre muito sincera! Gostei muito do seu texto!
Obrigada por compartilhar esta experiência conosco!

Beijos!

Ivana Martins disse...

Pelo menos você reconheceu que errou feio.
É, "o ser humano vai muito além do que aquilo que podemos ver com os nossos olhos!". Beijos, flor. Ótimo texto.

Unknown disse...

Engraçado... quando alguem nos para e pergunta se nós somos preconceituosos dizemos que NÃO! mais quando passa alguem com alguma deficiencia fisica do nosso lado, nós olhamos para o outro lado, com medo, receio algo que nos faz ficar sem graça ao olhar...

Unknown disse...

Quando li essa historia me arrepiei..
e percebi que, mesmo que não percebamos, HÁ UM preconceiito, por minimo que seja..

Mulher na Polícia disse...

Querida,

Que texto maravilhoso!
Realmente consegue dar uma bofetada na face do preconceito de uma forma muito sutil e verdadeira.

Sabe quando você lê um texto e tem certeza que não vai se esquecer dele pelo resto da sua vida?

Parabés pela formatura, doutora.

Beijos!

Fê Jhones disse...

Lembro disso! Na verdade não lembrava até você me contar... mas realmente esse menino venceu todas as barreiras e conseguiu! Que bom que ele contou com pessoas que acreditaram nele! Uma lição de vida!!

André Carioca disse...

Oi Tahiana!

Acabo de ler seu texto.

Entendo seu sentimento hoje de acordo com a situação e é muito legal ter reconhecido e se arrependido.

E de uma coisa pode ter certeza:

Talvez para ele, isso não fez nenhuma diferença ou não faz hoje.

Claro. As vezes quando passamos por alguma situação de preconceito, nos sentimos magoados na hora.

Mas quando temos certeza do que somos e do que podemos, chega um ponto que a gente começa a não se importar tanto com as reações das pessoas. Cito como algumas, reação de pena (o que acaba sendo muito comum), ou outras.

Sou totalmente cego das duas vistas e acabo de conhecer seu blog.

Se quiser conhecer um pouco mais sobre mim, tem aqui 2 links:

http://cotidianocego.blogspot.com

É o meu blog.

E tem também esse vídeo que mostra um pouco do meu cotidiano:

http://maisvoce.globo.com/videos/v/conheca-a-historia-do-carioca-andre-luis-de-assis/1302863/#/Editorias/page/1

No mais, adorei seu blog e vou continuar lendo os posts.

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